sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Direito administrativo

Direito administrativo é o ramo do direito público que tem por objeto o estudo das normas jurídicas relativas ao exercício da função administrativa. Ou seja, é o conjunto de regras que se impõe às pessoas jurídicas de direito público e as pessoas jurídicas de direito privado que exercitam função administrativa, estas últimas como delegadas do Estado, realizando os fins desejados pela ordem jurídica e, idealmente, o bem comum.

Ou ainda, como pontua José dos Santos Carvalho Filho em "Manual de Direito Administrativo" (Editora Lumen Juris - 14ª Ed.): "Direito Administrativo [...] é o conjunto de normas e princípios que, visando sempre ao interesse público, regem as relações jurídicas entre as pessoas e órgãos do Estado e entre este e as coletividades a que devem servir".

É um ramo do Direito Público. Assim, sempre existirá um órgão estatal ou uma pessoa privada em exercício de função delegada do Estado nas relações jurídicas regulamentadas por normas de direito administrativo. Além disso, não se confunde com a atividade estatal de julgar, inerente ao Poder Judiciário, nem com a atividade de inovar a ordem jurídica (Função Legislativa). Logo, salvo exceções previstas em lei, um ato administrativo não define de forma absoluta a situação jurídica de um indivíduo (não forma coisa julgada), nem cria, de modo primário, direito e obrigações novos para o cidadão.

Fontes do direito administrativo

São quatro:

a Lei
a Doutrina
a Jurisprudência
o Costume


Administrativistas brasileiros de destaque

Alice Gonzalez Borges
Almiro do Couto e Silva
Celso Antônio Bandeira de Mello
Hely Lopes Meirelles
José Cretella Júnior
Lúcia Valle Figueiredo
Maria Sylvia Zanella di Pietro
Paulo Modesto
Romeu Felipe Bacellar Filho
Sérgio Ferraz

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Veja na integra - decisão do STJ - Relações homoafetivas podem ser reconhecidas juridicamente

Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 820.475 - RJ (2006/0034525-4)
RELATOR : MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO
R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : A C S E OUTRO
ADVOGADO : EDUARDO COLUCCINI CORDEIRO
EMENTA
PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO
HOMOAFETIVA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ.
OFENSA NÃO CARACTERIZADA AO ARTIGO 132, DO CPC.
POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ARTIGOS 1º DA LEI 9.278/96
E 1.723 E 1.724 DO CÓDIGO CIVIL. ALEGAÇÃO DE LACUNA
LEGISLATIVA. POSSIBILIDADE DE EMPREGO DA ANALOGIA COMO
MÉTODO INTEGRATIVO.
1. Não há ofensa ao princípio da identidade física do juiz, se a
magistrada que presidiu a colheita antecipada das provas estava em
gozo de férias, quando da prolação da sentença, máxime porque
diferentes os pedidos contidos nas ações principal e cautelar.
2. O entendimento assente nesta Corte, quanto a possibilidade
jurídica do pedido, corresponde a inexistência de vedação explícita
no ordenamento jurídico para o ajuizamento da demanda proposta.
3. A despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é
que, para a hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de
união homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento
do feito.
4. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de
união estável entre homem e mulher, dês que preencham as
condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública,
duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a união entre dois
homens ou duas mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse,
utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre
pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da
abrangência legal. Contudo, assim não procedeu.
Documento: 713694 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 06/10/2008 Página 1 de 38
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5. É possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda
existir lacuna legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive
de situação fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente
regulada.
6. Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o
argumento de ausência de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a
integração mediante o uso da analogia, a fim de alcançar casos não
expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com
outros tratados pelo legislador.
5. Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, renovando-se o
julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Luís Felipe Salomão, acompanhando o voto do
Sr. Ministro Relator, por maioria, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, vencidos
os Srs. Ministros Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Junior. Não participaram do
julgamento os Srs. Ministros João Otávio de Noronha e Carlos Mathias (art. 162, §2º do
RISTJ).
Brasília (DF), 02 de setembro de 2008 (data do julgamento).
Ministro Luis Felipe Salomão
Relator
Documento: 713694 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 06/10/2008 Página 2 de 38
Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 820.475 - RJ (2006/0034525-4)
RELATOR : MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO
RECORRENTE : A C S E OUTRO
ADVOGADO : EDUARDO COLUCCINI CORDEIRO
RELATÓRIO
EXMO. SR. MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO
(Relator): A. C. S. e Outro propuseram perante a 4ª Vara de Família de
São Gonçalo - RJ, ação declaratória de união estável sob a alegação de
que iniciaram relacionamento homoafetivo no ano de 1988 de forma
duradoura, contínua e pública, pautada pela consideração e respeito
mútuo, pela assistência moral e material recíproca.
Em sua peça inicial, narraram que se conheceram no Brasil,
em Copacabana, no Rio de Janeiro, quando o segundo recorrente, que é
canadense, veio a serviço de seu país ao Brasil, decidindo, após,
iniciarem relacionamento afetivo, morar sob o mesmo teto, no Canadá,
sendo que adquiriram patrimônio naquele país e com o apoio moral dos
amigos e familiares, casaram-se, segundo permite a lei canadense,
passando a ter uma união estável pautada pela consideração e respeito
mútuos.
Porém, em virtude de laços mais íntimos com o Brasil, e no
intuito de ver reconhecida a sua união estável, ante necessidade de o
companheiro canadense obter visto permanente neste país, ajuizaram a
presente ação declaratória de união estável.
A sentença extinguiu o feito sem resolução de mérito com
fundamento no art. 267, VI, do Código de Processo Civil, ao argumento
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de que "... o pedido autoral é impossível de ser juridicamente atendido,
posto lhe faltar previsão legal" (fls. 115).
Em sede de apelação, a sentença foi mantida pelo Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro, em acórdão assim ementado:
“DIRETO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE
UNIÃO ESTÁVEL. RELACIONAMENTO HOMOAFETIVO.
INDEFERIMENTO DA INICIAL. Preliminar de nulidade da
sentença afastada. Não vulneração ao princípio da identidade
física do Juiz, eis que audiência presidida em ação cautelar não
traz vinculação para apreciação da petição inicial da ação
principal, a qual veio a ser indeferida. Impossibilidade, na
espécie, de se reconhecer a existência de união estável.
Exigência contida no art. 1º da Lei nº 9.278/96, que regulamenta
o artigo 226 da Lex Legum e que é retirada pelo artigo 1.723
do Código Civil, de que sejam os companheiros de sexos
opostos, homem e mulher. Impossibilidade jurídica do pedido.
Indeferimento da petição inicial. Sentença mantida. Recurso
improvido” (fls. 183).
Inconformados, os recorrentes interpuseram recurso especial
fundado nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional.
Alegaram ofensa aos arts. 4º e 5º do Decreto-Lei nº 4.657/42
(Lei de Introdução ao Código Civil), 126 e 132 do Código de Processo
Civil, 1º, da Lei nº 9.278/96, 1.723 e 1724, do Código Civil.
Sustentam que ao manter a sentença que extinguiu o feito
sem resolução de mérito, o Tribunal a quo violou o art. 132, do CPC
(princípio da identidade física do Juiz), uma vez que a sentença foi
proferida por magistrado que não presidira a colheita das provas
produzidas anteriormente em ação cautelar de produção antecipada de
provas (autos da ação cautelar em apenso).
Aduzem que houve ofensa aos demais dispositivos
colacionados, na medida em que não há falar-se em impossibilidade
Documento: 713694 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 06/10/2008 Página 4 de 38
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jurídica do pedido. Afirmam ter o acórdão recorrido infringido os arts. 4º
da Lei de Introdução ao Código Civil e 126 do Código de Processo Civil,
ao argumento de que o ordenamento jurídico não veda o reconhecimento
de união estável entre pessoas do mesmo sexo.
A douta Procuradoria Geral da República opinou pelo
provimento do recurso (fls. 294/310).
É relatório.
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Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 820.475 - RJ (2006/0034525-4)
RELATOR : MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO
RECORRENTE : A C S E OUTRO
ADVOGADO : EDUARDO COLUCCINI CORDEIRO
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE
FÍSICA DO JUIZ. CPC, ART. 132. OFENSA NÃO CARACTERIZADA.
AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL. PESSOAS DO
MESMO SEXO. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.
VIABILIDADE. APLICAÇÃO DO MÉTODO DE INTEGRAÇÃO DO
DIREITO.
I - Se a magistrada que presidiu a colheita das
provas estava de férias, não há identificar ofensa ao art. 132
do CPC. Tanto mais no caso em que as provas foram colhidas
antecipadamente.
II - É firme o entendimento, tanto doutrinário como
jurisprudencial, no sentido de que a possibilidade jurídica do
pedido, uma das condições da ação, está vinculada à
inexistência de vedação explícita pelo ordenamento jurídico do
pleito contido da demanda. Precedentes.
III - Não havendo vedação expressa no
ordenamento jurídico quanto ao pedido de declaração de
união estável de pessoas do mesmo sexo, embora a união
homoafetiva não configure união estável nos termos da lei de
regência, devem ser aplicadas as regras deste instituto
atendendo-se aos preceitos contidos nos arts. 4º da LICC e
126 do CPC.
IV - Recurso especial conhecido e provido.
VOTO
EXMO. SR. MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO
(Relator): Conheço do recurso porquanto presentes os pressupostos de
admissibilidade, mormente o requisito do prequestionamento.
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Preliminarmente, no que se refere ao art. 132, do Código de
Processo Civil, não há ofensa ao referido dispositivo. Isso porque o
próprio artigo faz ressalvas quanto ao princípio da identidade física do
Juiz, entre as quais, o afastamento por qualquer motivo, o que se
verificou no caso destes autos, em que a magistrada que então presidiu a
colheita antecipada de provas encontrava-se em gozo de férias, como
afirmado pelos próprios recorrentes às fls. 194. Além disso, não era
necessário que a sentença fosse proferida pela magistrada que presidiu a
ação cautelar de colheita antecipada de provas.
No que se refere à impossibilidade jurídica do pedido, pacífico
o entendimento, tanto na doutrina como na jurisprudência, de que esta só
se configura quando há expressa vedação dada pelo ordenamento
jurídico.
Nestes termos, ensina Nelson Nery Júnior: "o pedido é
juridicamente possível quando o ordenamento não o proíbe
expressamente. Deve-se entender o termo "pedido" não em seu sentido
estrito de mérito, pretensão, mas conjugado com a causa de pedir"
(Código de Processo Civil Comentado, 6ª Edição, p. 594).
A jurisprudência desta Corte também é tranqüila no sentido
aqui afirmado. Vejam-se as ementas:
(...)
"3. Doutrina e jurisprudência caminham no sentido de que a
possibilidade jurídica do pedido, a que se refere o artigo 267,
VI, do Código de Processo Civil, é a inexistência, no direito
positivo, de vedação explícita ao pleito contido na demanda.
Precedentes.
4. Recurso especial não conhecido" (REsp nº 438.926/AM,
Relatora Ministra Laurita Vaz, DJ de 17-11-2003).
"I - A possibilidade jurídica do pedido, a que se refere o artigo
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267, VI, do Código de Processo Civil, é a inexistência, no direito
positivo, de vedação explícita ao pleito contido na demanda.
(...)
Recurso provido" (RMS 14.815/DF, Relator Ministro Félix
Fischer, DJ de 07-10-2002).
Transcrevo os dispositivos referidos pelas instâncias
ordinárias para afirmar a impossibilidade jurídica do pedido, a fim de
analisar se, no caso, há vedação do ordenamento jurídico:
Artigo 226, § 3º, da Constituição da República:
"Art. 226. (...)
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união
estável entre o homem e a mulher como entidade familiar,
devendo a lei facilitar sua conversão em casamento".
Art. 1º da Lei nº 9.278/96:
"Art. 1º É reconhecida como entidade familiar a convivência
duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher,
estabelecida com objetivo de constituição de família".
Art. 1.723 e 1.724, do Código Civil:
"Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união
estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência
pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de
constituição de família".
"Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros
obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e
de guarda, sustento e educação dos filhos".
Da análise dos dispositivos transcritos não vislumbro em
nenhum momento vedação ao reconhecimento de união estável de
pessoas do mesmo sexo, mas, tão-somente, o fato de que os dispositivos
Documento: 713694 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 06/10/2008 Página 8 de 38
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citados são aplicáveis a casais do sexo oposto, ou seja, não há norma
específica no ordenamento jurídico regulando a relação afetiva entre
casais do mesmo sexo. Todavia, nem por isso o caso pode ficar sem
solução jurídica, sendo aplicável à espécie o disposto nos arts. 4º da
LICC e 126 do CPC. Cabe ao juiz examinar o pedido e, se acolhê-lo, fixar
os limites do seu deferimento.
Note-se que há um mau hábito, de alguns juízes, de indeferir
requerimentos feitos pelas partes dizendo que o fazem "por falta de
amparo legal". A se interpretar tal expressão como querendo significar
que o indeferimento se deu por não haver previsão legal daquilo que se
requereu, a decisão obviamente estará a contrariar o disposto no art. 126
do CPC, pois, em tal caso, o juiz deixará de decidir por haver lacuna na
lei. A lacuna da lei não pode jamais ser usada como escusa para que o
juiz deixe de decidir, cabendo-lhe supri-la através dos meios de
integração da lei (Alexandre Freitas Câmara, Lições de Direito Processual
Civil, 10ª Ed., vol. I, p. 30).
No caso destes autos, tenho como violados os arts. 4º e 5º da
LICC e 126, do CPC. Frise-se, aliás, que o art. 5º da LICC diz que o juiz
deve atender aos fins sociais a que a lei se destina.
Como afirmado pelo eminente Ministro Humberto Gomes de
Barros no REsp 238.715/RS,
"É grande a celeuma em torno da regulamentação da relação
homoafetiva (neologismo cunhado com brilhantismo pela e.
Desembargadora Maria Berenice Dias do TJRS).
Nada em nosso ordenamento jurídico disciplina os direitos
oriundos dessa relação tão corriqueira e notória nos dias de
hoje.
A realidade e até a ficção (novelas, filmes, etc) nos mostram,
todos os dias, a evidência desse fato social.
Documento: 713694 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 06/10/2008 Página 9 de 38
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Há projetos de lei, que não andam, emperrados em arraigadas
tradições culturais.
A construção pretoriana, aos poucos, supre o vazio legal: após
longas batalhas, os tribunais, aos poucos proclamam os efeitos
práticos da relação homoafetiva.
Apesar de tímido, já se percebe algum avanço no
reconhecimento dos direitos advindos da relação homossexual.
O reconhecimento da sociedade de fato (CC/16, Art. 1.363 - cf.
REsp 148.897/ROSADO) tem servido para a divisão do
patrimônio amealhado pelo esforço comum.
O INSS, motivado pela Ação Civil Pública n.º
2000.71.00.009347-0, editou a Instrução Normativa 25, de 7 de
junho de 2000, que estabelece os "procedimentos a serem
adotados para a concessão de benefícios previdenciários ao
companheiro ou companheira homossexual" . O ato permite a
concessão de pensão por morte ou auxílio-reclusão ao
companheiro ou companheira homossexual. Já é clara a
relevância dessa relação afetiva no Direito Previdenciário.
Recentemente, em julgado de que participei, o TSE (RESPE
24.564/PA), entendeu que o relacionamento homossexual
estável gera a inelegibilidade prevista no Art. 14, § 7º, da CF. É
que, à semelhança do casamento, da união estável e do
concubinato presume-se na relação homoafetiva o forte laço
afetivo, que influencia os rumos eleitorais e políticos. Por isso, o
TSE atestou a existência duma "união estável homossexual".
Neste processo, a r. sentença, verdadeira monografia sobre o
fato social da homossexualidade, demonstrou que o conceito de
união estável não abrange o concúbio entre pessoas do mesmo
sexo.
Como disse acima, nada disciplina os direitos oriundos da
relação homoafetiva.
Há, contudo, uma situação de fato a reclamar tratamento jurídico.
A teor do Art. 4º da LICC, em sendo omissa a lei, o juiz deve
exercer a analogia.
O relacionamento regular homoafetivo, embora não
configurando união estável, é análogo a esse instituto.
Com efeito: duas pessoas com relacionamento estável,
duradouro e afetivo, sendo homem e mulher formam união
estável reconhecida pelo Direito. Entre pessoas do mesmo
sexo, a relação homoafetiva é extremamente semelhante à
união estável.
Trago esse fundamento pois, ainda que não tido por ofendido,
ele está implícito nas razões do acórdão recorrido. Além disso,
o STJ pode se utilizar de fundamento legal diverso daquele
apresentado pelas partes. Não estamos estritamente jungidos
às alegações feitas no recurso ou nas contra-razões (Cf. AgRg
Documento: 713694 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 06/10/2008 Página 10 de 38
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no REsp 174.856/NANCY e EDcl no AgRg no AG
256.536/PÁDUA. No STF, veja-se o RE
298.694-1/PERTENCE- Plenário). Vinculamo-nos, apenas, aos
fatos lá definidos (cf. AgRg no AG 2.799/CARLOS VELLOSO,
dentre outros). A interpretação dos dispositivos legais é feita
dentro de um contexto.
Finalmente, não tenho dúvidas que a relação homoafetiva gera
direitos e, analogicamente à união estável, permite a inclusão do
companheiro como dependente em plano de assistência
médica.
O homossexual não é cidadão de segunda categoria. A opção
ou condição sexual não diminui direitos e, muito menos, a
dignidade da pessoa humana" (publicado no DJ de
02-10-2006)".
Transcrevo a ementa do RESPE nº 24.564/PA a que se
referiu o eminente Ministro Humberto Gomes de Barros:
"REGISTRO DE CANDIDATO. CANDIDATA AO CARGO DE
PREFEITO. RELAÇÃO ESTÁVEL HOMOSSEXUAL COM A
PREFEITA REELEITA DO MUNICÍPIO. INELEGIBILIDADE.
ART. 14, § 7º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Os sujeitos de uma relação estável homossexual, à semelhança
do que ocorre com os de relação estável, de concubinato e de
casamento, submetem-se à regra de inelegibilidade prevista no
art. 14, § 7º, da Constituição Federal.
Recurso a que se dá provimento" (TSE, Relator Ministro Gilmar
Mendes, publicado em Sessão de 01-10-2004).
No mesmo sentido, os seguintes precedentes:
"DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DISSOLUÇÃO DE
SOCIEDADE DE FATO. HOMOSSEXUAIS. HOMOLOGAÇÃO
DE ACORDO. COMPETÊNCIA. VARA CÍVEL. EXISTÊNCIA
DE FILHO DE UMA DAS PARTES. GUARDA E
RESPONSABILIDADE. IRRELEVÂNCIA.
1. A primeira condição que se impõe à existência da união
estável é a dualidade de sexos. A união entre homossexuais
juridicamente não existe nem pelo casamento, nem pela união
estável, mas pode configurar sociedade de fato, cuja dissolução
assume contornos econômicos, resultantes da divisão do
patrimônio comum, com incidência do Direito das Obrigações.
2. A existência de filho de uma das integrantes da sociedade
Documento: 713694 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 06/10/2008 Página 11 de 38
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amigavelmente dissolvida, não desloca o eixo do problema para
o âmbito do Direito de Família, uma vez que a guarda e
responsabilidade pelo menor permanece com a mãe, constante
do registro, anotando o termo de acordo apenas que, na sua
falta, à outra caberá aquele munus, sem questionamento por
parte dos familiares.
3. Neste caso, porque não violados os dispositivos invocados -
arts. 1º e 9º da Lei 9.278 de 1996, a homologação está afeta à
vara cível e não à vara de família.
4. Recurso especial não conhecido" (REsp nº 502.995/RN,
Relator o Ministro FERNANDO GONÇALVES, DJ 16-05-2005,
p. 353).
"RECURSO ESPECIAL. RELACIONAMENTO MANTIDO ENTRE
HOMOSSEXUAIS. SOCIEDADE DE FATO. DISSOLUÇÃO DA
SOCIEDADE. PARTILHA DE BENS. PROVA. ESFORÇO COMUM.
Entende a jurisprudência desta Corte que a união entre pessoas
do mesmo sexo configura sociedade de fato, cuja partilha de
bens exige a prova do esforço comum na aquisição do
patrimônio amealhado.
Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte,
provido" (REsp nº 648.763/RS, Relator o Ministro CÉSAR
ÁSFOR ROCHA, DJ de 16-04-2007, p. 204).
Diante das considerações expostas, e à vista do parecer do
Ministério Público Federal acostado às fls. 294/310, conheço do recurso
especial e dou-lhe provimento a fim de que, uma vez superada a questão
de carência da ação por impossibilidade jurídica do pedido, prossigam as
instância ordinárias no julgamento do feito como entenderem de direito.
Documento: 713694 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 06/10/2008 Página 12 de 38
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RECURSO ESPECIAL Nº 820.475 - RJ (2006/0034525-4)
ESCLARECIMENTO
EXMO. SR. MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO (Relator):
Sr. Presidente, é importante verificar que essa matéria, evidentemente,
está sendo objeto de evolução. Há alguns anos, não se admitiria
nenhuma conseqüência jurídica de uma situação desse tipo. Mas, a
sociedade tem mudado. Isso ocorre no mundo todo. Portanto, nossa
própria jurisprudência tem se encaminhado no sentido mais ampliativo.
No caso, deixei muito claro na ementa – atendendo à
preocupação do Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior - , não estamos
destoando dos precedentes, mas, ao contrário, com base neles. estamos
deixando aberto um caminho para que a Primeira Instância delimite a
extensão em que vai examinar o pedido.
É um pedido mais amplo do que o que foi concedido
anteriormente por este Tribunal. Reconhecemos isso. Mas nada obsta
que o juiz possa, dentro desse pedido mais amplo, defini-lo, acolhê-lo na
extensão que entenda devida. Ele ou o tribunal. Por isso que na ementa
eu disse, e talvez resolva a preocupação de S. Exa.: “Não havendo
vedação expressa no ordenamento jurídico quanto ao pedido de
declaração de união estável entre pessoas do mesmo sexo, embora a
união homoafetiva não configure união estável nos termos da Lei de
Regência, devem ser aplicadas as regras desse instituto, atendendo-se
aos preceitos contidos nos arts. 4º da Lei de Introdução do Código Civil e
126 do Código de Processo Civil.”
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Deixei em aberto para que o juiz examine o pedido.
Penso que a base é essa: o Juiz poderá aplicar as regras
relativas à união estável, mas cabe-lhe examinar em concreto o caso.
Não afasto, de logo, a possibilidade de que ele examine o tema. Poderá
fazê-lo como entender de direito. Estamos caminhando, evoluindo, na
consonância dos precedentes, mas não estamos, aqui, delimitando o
pedido em termos finais, porque instamos que o juiz decida como
entender de direito. O que não pode é deixar de decidir, concluindo pela
extinção do processo, por impossibilidade jurídica do pedido.
Documento: 713694 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 06/10/2008 Página 14 de 38
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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA
Número Registro: 2006/0034525-4 REsp 820475 / RJ
Números Origem: 20040040422509 200500118636
PAUTA: 21/08/2007 JULGADO: 21/08/2007
Relator
Exmo. Sr. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. FERNANDO HENRIQUE OLIVEIRA DE MACEDO
Secretária
Bela. CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : A C S E OUTRO
ADVOGADO : EDUARDO COLUCCINI CORDEIRO
ASSUNTO: Civil - Família - União Estável
SUSTENTAÇÃO ORAL
Dr(a). EDUARDO COLUCCINI CORDEIRO, pela parte: RECORRENTE: A C S
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Após o voto do Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro-Relator, conhecendo do recurso e
dando-lhe provimento, pediu vista dos autos o Sr. Ministro Fernando Gonçalves.
Aguardam os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior e Massami Uyeda.
Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Massami Uyeda.
Brasília, 21 de agosto de 2007
CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK
Secretária
Documento: 713694 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 06/10/2008 Página 15 de 38
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RECURSO ESPECIAL Nº 820.475 - RJ (2006/0034525-4)
VOTO-VISTA
EXMO. SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES:
Perante o Juízo de Direito da 4ª Vara de Família da Comarca de
São Gonçalo - Rio de Janeiro - foi proposta ação declaratória de
reconhecimento de união estável entre ANTÔNIO CARLOS SILVA, brasileiro, e
BRENT JAMES TOWNSEND, canadense.
O feito foi julgado extinto com âncoras no art. 267, VI, do Código
de Processo Civil, aduzindo a r. sentença que, "tanto na Constituição Federal
como nas leis infraconstitucionais não foi reconhecida a união
homossexual ", sendo, portanto, impossível juridicamente de ser atendido o
pedido constante na inicial (fls. 108/113).
A Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
de Janeiro, pelo voto da Desembargadora MARIA INÊS DA PENHA GASPAR,
manteve a decisão, negando provimento ao recurso de apelação, ao
fundamento de exigir a legislação aplicável sejam os parceiros de sexos
diferentes - homem e mulher - para fins de reconhecimento da união estável.
Houve especial, sendo trazido à colação julgado do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul onde admitida e reconhecida a união
homoafetiva entre dois homens, mediante utilização dos denominados
princípios gerais de direito, inclusive analogia e costumes, como forma de
suprimento das lacunas legais.
O Relator, Min. ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, ponderando não
vislumbrar vedação ao reconhecimento da união estável de pessoas do mesmo
sexo nos dispositivos constantes do § 3º do art. 226 da Constituição Federal;
art. 1º da Lei 9.278, de 1996 e arts. 1723 e 1724 do Código Civil, firmando,
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por outro lado, maltrato pelos julgados de origem à letra dos arts. 4º e 5º da
LICC e 126 do Código de Processo Civil, apoiado - ainda - no pronunciamento
ministerial, conhece e dá provimento ao recurso "a fim de que, uma vez
superada a questão de carência da ação por impossibilidade jurídica do
pedido, prossigam as instâncias ordinárias no julgamento do feito como
entender de direito ".
Para melhor exame e capacitação acerca da controvérsia, solicitei
vista dos autos, sendo este o meu voto:
Como já esclarecido, o processo foi extinto com base no art. 267,
VI, do Código de Processo Civil - impossibilidade jurídica do pedido - porque
não reconhecida pela Constituição Federal nem pela legislação
infraconstitucional a união estável entre pessoas do mesmo sexo. Ressalta, no
entanto, o eminente Relator, com apoio em julgado da 5ª Turma - REsp
438.926-AM - que a possibilidade jurídica do pedido a que se refere a letra do
art. 267, VI, do Código de Processo Civil, é a inexistência, no direito positivo,
de vedação explícita ao pleito contido na demanda.
Os dispositivos legais regulamentares da matéria, sob este aspecto,
efetivamente não vedam de modo explícito a união de pessoas do mesmo sexo,
mas apenas fixam que, para fins de união estável o reconhecimento é limitado a
casais de sexo oposto.
No julgamento do REsp 502995/RN, foi expressamente afastada a
competência atribuída pela instância a quo à vara de família para a
homologação de termo de dissolução de sociedade estável e afetiva, cumulada
com partilha de bens, ao fundamento básico da ausência da questão familiar,
mas apenas patrimonial.
Está consignado naquela decisão:
"Reconhece a Constituição Federal a união estável entre homem
e mulher, como entidade familiar, dispondo, por seu turno, o art.
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1º da Lei 9.278, de 1996, em complemento:
"É reconhecida como entidade familiar a convivência
duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher,
estabelecida com objetivo de constituição de família".
A análise da doutrina (RAINER CZAJXOWSKI - UNIÃO LIVRE -
JURUÁ - 1997), comparando os dois dispositivos (art. 226, § 3º,
da Constituição Federal e art. 1º da Lei 9278/96) resulta na
extração de quatro elementos essenciais à caracterização da
união estável, a saber: "a dualidade de sexos, o conteúdo mínimo
da relação, a estabilidade e a publicidade".
Em decorrência, como ainda leciona o autor citado, a primeira
condição que se impõe à existência da união estável é a
dualidade de sexos, porque "duas pessoas do mesmo sexo não
podem assumir, uma perante a outra, as funções de marido e
esposa, ou de pai e de mãe em face de eventuais filhos. Não se
trata, em princípio, de perquirir sobre a qualidade física ou
psicológica das relações sexuais entre homossexuais, nem emitir
sobre tais relações qualquer julgamento moral" (obra citada -
pág. 54).
De outro lado, ensina THIAGO HAUPTMANN BORELLI THOMAZ , em
artigo na Revista dos Tribunais 807/95, verbis :
"O Direito de Família tutela os direitos, obrigações, relações
pessoais, econômicas e patrimoniais, a relação entre pais e
filhos, o vínculo do parentesco e a dissolução da família, mas
das famílias matrimonial, monoparental e concubinária. A
união entre homossexuais, juridicamente, não constitui nem
tem o objetivo de constituir família, porque não pode existir
pelo casamento, nem pela união estável.
Mas se houver vida em comum, laços afetivos e divisão de
despesas, não há como se negar efeitos jurídicos à união
homossexual.
Presentes esses elementos, pode-se configurar uma sociedade
de fato, independentemente de casamento ou união estável. É
reconhecida a sociedade de fato quando pessoas mutuamente
se obrigam a combinar seus esforços ou recursos para lograr
fim comum (art. 1.363 do CC/1916; art. 981 do novo CC).
Assim, embora as relações homossexuais escapem da tutela do
Direito de Família, não escapam do Direito das Obrigações."
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Por enquanto, como preleciona SÍLVIO DE SALVO VENOSA, não há
aceitação social majoritária das uniões homoafetivas, "que se traduza em uma
possibilidade legislativa, as uniões de pessoas do mesmo sexo devem gerar
apenas reflexos patrimoniais relativos à sociedade de fato".
Na real verdade, à luz do direito posto, não há condições de
reconhecimento de união estável porque o desideratum dos textos relativos à
convivência entre um homem e uma mulher é a constituição de uma família e,
sob este aspecto, expõe JOSÉ DE CASTRO BIGI em artigo publicado pela Editora
Revista dos Tribunais:
"No caso dos relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo,
inexiste a possibilidade de conversão em casamento porque,
inclusive como entendem os defensores da equiparação entre
estes relacionamentos e a união estável, falta a dualidade de
sexos inerente àquele instituto que tornaria o casamento
inexistente. Impossível, pois, a aplicação do instituto correlato."
Concordo plenamente que, em princípio, o direito positivo não
veda explicitamente a união entre pessoas do mesmo sexo, exceto a união
estável, disciplinada pelo Direito de Família, enquanto não houver mudança no
texto constitucional. O Professor MIGUEL REALE, ao proclamar não haver o
Código Civil cuidado da união estável de pessoas do mesmo sexo e, por isso,
apressadamente criticado, ressalta:
"Essa matéria não de Direito Civil, mas sim de Direito
Constitucional, porque a Constituição criou a união estável
entre um homem e uma mulher. De maneira que, para cunhar-se
aquilo que estão querendo, a união estável dos homossexuais, em
primeiro lugar é preciso mudar a Constituição" - Uniões
Homossexuais - efeitos jurídicos - TAÍSA RIBEIRO FERNANDES -
Ed. Método - São Paulo - pág. 94.
Não existe, por outro lado, discordância de que os fatos, na dicção
de LUIZ EDSON FACHIN, acabam se impondo ao Direito e a realidade muitas
vezes desmente a legislação. No caso da união entre pessoas do mesmo sexo,
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houve sensível avanço na jurisprudência, reconhecendo, v.g., a existência de
sociedade de fato, com geração de efeitos patrimoniais (REsp 148.897 - Rel.
Min. RUY ROSADO DE AGUIAR - citado no REsp 238.715 - Rel. o Min.
HUMBERTO GOMES DE BARROS). De igual modo em matéria previdenciária e
no Direito Eleitoral.
No campo da união estável, no entanto, à luz do que dispõe o art.
226, § 3º, da Constituição Federal, art. 1º da Lei 9278/96 e arts. 1723 e 1724
do Código Civil, apenas se reconhece como entidade familiar a convivência
duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher.
Vale refrisar: para os demais efeitos - patrimoniais, previdenciários,
eleitorais, etc - não é vedado o reconhecimento da união entre pessoas do
mesmo sexo. Para fins, entretanto, de união estável como entidade familiar,
enquanto subsistente a norma constitucional e as disposições legais em apreço,
a vedação existe, carecendo, portanto, o pleito neste sentido de possibilidade
jurídica, entendida como tal a falta de amparo no direito material.
Com a devida vênia do em. Relator, não conheço do recurso.
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RECURSO ESPECIAL Nº 820.475 - RJ (2006/0034525-4)
VOTO
EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Sr.
Presidente, quero louvar o trabalho dos advogados dos recorrentes, mas minha conclusão é no
mesmo sentido, porque já se firmou orientação nesta Turma em outro precedente, Recurso
Especial n. 502.995/RN, relator o Sr. Ministro Fernando Gonçalves, ao qual aderi como
vogal.
A ementa ficou muito clara sobre a posição da Turma:
"A primeira condição que se impõe à existência da união
estável é a dualidade de sexos. A união entre homossexuais juridicamente
não existe nem pelo casamento, nem pela união estável, mas pode
configurar sociedade de fato, cuja dissolução assume contornos
econômicos, resultantes da divisão do patrimônio comum, com incidência
no Direito das Obrigações."
Essa questão é oriunda da Carta Política, de modo que não nos cabe aqui dar
uma interpretação, não diria nem extensiva, mas alternativa, ao que dispõe a Constituição da
República, que assim quis.
Da mesma forma, a Lei n. 9.278, também dispõe claramente sobre a união
entre um homem e uma mulher como entidade familiar, se vivendo sob a forma de união
estável.
Assim, a dualidade de sexos é uma exigência, não apenas legal, como
constitucional. A mesma norma é repetida nos arts. 1º e 9º da Lei n. 9.278 de 1996. Como
no caso a pretensão foi no sentido de reconhecimento de união estável, há uma impossibilidade
jurídica do pedido, daí porque, a meu ver, corretamente, tanto o juiz de Primeiro Grau quanto
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o Tribunal a quo extinguiram a ação nos termos do art. 267, inciso VI do Código de Processo
Civil.
Portanto, peço vênia ao Sr. Ministro Relator para acompanhar o voto do Sr.
Ministro Fernando Gonçalves, não conhecendo do recurso especial.
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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA
Número Registro: 2006/0034525-4 REsp 820475 / RJ
Números Origem: 20040040422509 200500118636
PAUTA: 21/08/2007 JULGADO: 25/09/2007
Relator
Exmo. Sr. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. FERNANDO HENRIQUE OLIVEIRA DE MACEDO
Secretária
Bela. CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : A C S E OUTRO
ADVOGADO : EDUARDO COLUCCINI CORDEIRO
ASSUNTO: Civil - Família - União Estável
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista divergente do Sr. Ministro Fernando
Gonçalves, não conhecendo do recurso especial, no que foi acompanhado pelo Sr. Ministro Aldir
Passarinho Junior, PEDIU VISTA dos autos o Sr. Ministro Massami Uyeda.
Não participou da votação o Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa, em razão de ausência à
primeira assentada de julgamento (Art. 162, § 2º do RISTJ).
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Massami Uyeda.
Brasília, 25 de setembro de 2007
CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK
Secretária
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Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 820.475 - RJ (2006/0034525-4)
RELATOR : MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO
RECORRENTE : A C S E OUTRO
ADVOGADO : EDUARDO COLUCCINI CORDEIRO
VOTO-VISTA
O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA:
No presente recurso especial, na sessão de 21 de agosto de 2007, o
eminente Ministro Antonio de Pádua Ribeiro, como seu relator, proferiu voto no sentido
de anular o v. acórdão, ao fundamento de que, tratando-se a convivência de duas
pessoas de mesmo sexo, com caráter de permanência e continuidade, fato social que
deve merecer resposta jurisdicional pelo Judiciário, desde que instado a julgar, ante a
inexistência formal de diploma legislativo, mas, havendo no ordenamento jurídico a
previsão contida no artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, de que o Juiz não se
exime de julgar, ainda que não haja lei específica a respeito da controvérsia, mas que,
com a utilização de fontes mediatas do Direito, decida o caso concreto e, assim, deu
provimento ao recurso especial para anular o julgado e determinar que em primeiro grau
a questão seja apreciada pelo mérito.
Na sessão de julgamento de 25 de setembro de 2007, os eminentes
Ministros Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Júnior, divergiram do entendimento do
Ministro Relator, não conhecendo do recurso especial, ante a impossibilidade jurídica do
pedido, ao fundamento de que a união estável é assim reconhecida pela lei só a casal
constituído por um homem e uma mulher e não a duas pessoas do mesmo sexo.
Solicitei vista dos autos para melhor exame da controvérsia, ante a
divergência instaurada entre o voto do eminente Ministro Antonio de Pádua Ribeiro,
relator, e os votos dos eminentes Ministros Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho
Júnior.
A questão nuclear do presente recurso especial gravita em torno da
caracterização de impossibilidade jurídica do pedido de reconhecimento de união
estável a duas pessoas de mesmo sexo.
O r. Juízo de Direito de Primeiro Grau do Rio de Janeiro, ao analisar o
pedido, julgou ser juridicamente impossível o pedido e, sendo assim, não adentrou ao
seu mérito e extinguiu o processo.
Esta r. decisão, em grau de recurso, foi mantida pelo egrégio Tribunal de
Justiça de origem.
A realidade fática apresenta inúmeras situações, como a noticiada nos
autos, de duas pessoas de mesmo sexo, que vivem e convivem juntas, em caráter
permanente e contínuo. Trata-se de fato social que, à luz da legislação formal, não se
encontra contemplada em texto específico.
Contudo, esta lacuna legal é suficiente para impedir sua apreciação, em
termos de resposta jurisdicional a uma ação ajuizada pelos interessados em obter
provimento do Poder Judiciário quanto à legitimidade jurídica da situação por eles
vivenciada ?
O direito de ação, segundo o qual, toda lesão de direito será apreciada
pelo Poder Judiciário, como inscrito no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal,
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possibilitaria ao Estado-Julgador reconhecer que a ausência de lei formal, específica,
que regule situação fática existente, possa constituir óbice para se negar a pretendida
resposta ?
Exatamente por se discernir que os fatos da vida são dinâmicos e, muitas
vezes, não estão previstos em leis formais, mas que exigem uma apreciação valorativa,
quando o Estado-Juiz é instado e provocado a apreciar a controvérsia, é que o próprio
legislador infra-constitucional dispõe no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, que :
"Art. 4º Quando a lei for omissa, o Juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os
costumes e os princípios gerais de direito." e, no âmbito das disposições de Teoria
Geral de Direito, ainda na seqüência, no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil,
assim estatui: "Art. 5º Na aplicação da lei, o Juiz atenderá aos fins sociais a que ela se
dirige e às exigências do bem comum."
Está-se, pois, diante de um dilema processual que, a nosso sentir, deve,
para ser dirimido, conjugar a garantia constitucional de acesso ao Poder Judiciário, por
meio de ação, e as dicções dos dispositivos mencionados da Lei de Introdução ao
Código Civil, ou, então, adotar-se o posicionamento, tal como mantido pelo v. acórdão
recorrido que, ao negar provimento ao recurso de apelação, confirmou a r. sentença do
Juízo de Direito "a quo", não apreciando o mérito, reconhecendo ocorrer impossibilidade
jurídica do pedido, ante ausência de previsão legal e extinguiu o feito, sem apreciação
do mérito.
Trata-se não só de questões processuais, mas, também de aplicação da
Teoria Geral do Direito, não havendo, nesta instância recursal, incursão na seara do
mérito propriamente dito da ação, se procedente ou improcedente o pedido.
Assim, pedindo vênia para divergir dos votos dos eminentes Ministros
Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Júnior, que não conheceram do recurso
especial, acompanho o voto do eminente Ministro Antonio de Pádua Ribeiro, que anulou
o processo até a prolação da sentença, devendo outra ser proferida.
É o voto.
MINISTRO MASSAMI UYEDA
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ERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA
Número Registro: 2006/0034525-4 REsp 820475 / RJ
Números Origem: 20040040422509 200500118636
PAUTA: 03/04/2008 JULGADO: 03/04/2008
SEGREDO DE JUSTIÇA
Relator
Exmo. Sr. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS PESSOA LINS
Secretária
Bela. CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : A C S E OUTRO
ADVOGADO : EDUARDO COLUCCINI CORDEIRO
ASSUNTO: Civil - Família - União Estável
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Massami Uyeda,
conhecendo do recurso especial e dando-lhe provimento, acompanhando o voto do Sr. Ministro
Relator, tendo sido verificado o empate na votação, a Turma, por unanimidade, deliberou aguardar
o provimento da vaga do Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa.
Brasília, 03 de abril de 2008
CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK
Secretária
Documento: 713694 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 06/10/2008 Página 26 de 38
Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 820.475 - RJ (2006/0034525-4)
RELATOR : MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO
RECORRENTE : A C S E OUTRO
ADVOGADO : EDUARDO COLUCCINI CORDEIRO
EMENTA
PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO
HOMOAFETIVA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ.
OFENSA NÃO CARACTERIZADA AO ARTIGO 132, DO CPC.
POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ARTIGOS 1º DA LEI 9.278/96
E 1.723 E 1.724 DO CÓDIGO CIVIL. ALEGAÇÃO DE LACUNA
LEGISLATIVA. POSSIBILIDADE DE EMPREGO DA ANALOGIA COMO
MÉTODO INTEGRATIVO.
1. Não há ofensa ao princípio da identidade física do juiz, se a
magistrada que presidiu a colheita antecipada das provas estava em
gozo de férias, quando da prolação da sentença, máxime porque
diferentes os pedidos contidos nas ações principal e cautelar.
2. O entendimento assente nesta Corte, quanto a possibilidade
jurídica do pedido, corresponde a inexistência de vedação explícita
no ordenamento jurídico para o ajuizamento da demanda proposta.
3. A despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é
que, para a hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de
união homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento
do feito.
4. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de
união estável entre homem e mulher, dês que preencham as
condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública,
duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a união entre dois
homens ou duas mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse,
utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre
pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da
abrangência legal. Contudo, assim não procedeu.
5. É possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda
existir lacuna legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive
de situação fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente
regulada.
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6. Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o
argumento de ausência de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a
integração mediante o uso da analogia, a fim de alcançar casos não
expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com
outros tratados pelo legislador.
5. Recurso especial conhecido e provido.
VOTO-VISTA DESEMPATE
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Superior Tribunal de Justiça
O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO:
1. ANTONIO CARLOS SILVA E BRENT JAMES TOWSEND ajuizaram pedido
de declaração de união estável, procedimento de jurisdição voluntária, perante o juízo da
Quarta Vara de Família da Comarca de São Gonçalo, Rio de Janeiro.
Alegaram, em resumo, que, desde 1988 (cerca de vinte anos), relacionam-se
de forma pública, contínua e duradoura e que a união pauta-se pelo afeto, respeito mútuo,
assistência moral e material recíproca. Requereram medida cautelar preparatória, onde
foram ouvidas testemunhas e anexado parecer psicosocial. Prosseguiram aduzindo que
construíram patrimônio comum e casaram-se no Canadá. Salientam a evolução
jurisprudencial, registrando a forte tendência à admissão da união homoafetiva. Pedem a
procedência do pedido, “declarando-se como união estável, para todos os fins e efeitos
legais, o relacionamento que envolve os autores desta demanda (...)” (fls.27).
Sobreveio sentença terminativa fundada na impossibilidade jurídica do pedido
(artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil). Assentou o douto julgador monocrático
que a Carta Magna e a legislação infraconstitucional não reconheceram a união
homossexual, sendo inviável o pleito (fls.108/113).
Em sede de recurso de apelação, a Décima Quarta Câmara Cível do Tribunal
de Justiça do Estado do Rio de Janeiro manteve a decisão atacada, assentando que a
legislação incidente à hipótese estabelece a diversidade de sexo entre os companheiros
como requisito para o declaração da união estável.
O acórdão contém a seguinte ementa:
“DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL.
RELACIONAMENTO HOMOAFETIVO. INDEFERIMENTO DA INICIAL.
Preliminar de nulidade da sentença afastada. Não vulneração ao princípio
da identidade física do juiz, eis que audiência presidida em ação cautelar
não traz vinculação para apreciação da petição inicial da ação principal, a
qual veio a ser indeferida. Impossibilidade, na espécie, de se reconhecer a
existência de união estável. Exigência contida no artigo 1º da Lei
nº9.278/96, que regulamenta o artigo 226 da Lex Legum e que é reiterada
pelo artigo 1.723 do Código Civil, de que sejam os companheiros de sexos
opostos, homem e mulher. Impossibilidade jurídica do pedido. Indeferimento
da petição inicial. Sentença mantida. Recurso improvido.”
Inconformados, os autores interpuseram recurso especial, com arrimo nas
alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional. Alegam violação ao artigo 132, do Código de
Processo Civil, uma vez que desrespeitado o princípio da identidade física do juiz, pois o
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magistrado que presidira a audiência realizada na medida cautelar preparatória não proferiu a
sentença no presente feito. No mérito, sustentam que foram malferidos os artigos 1.723 e
1.724, do Código Civil, artigos 4º e 5º, da LICC, artigo 126, do Código de Processo Civil e
artigo 1º da lei 9.278/96. Defendem a possibilidade de reconhecimento da união estável entre
pessoas do mesmo sexo, com fundamento nos princípios gerais do direito, na analogia e nos
costumes. No tocante a alegação de dissídio jurisprudencial, ponderam que o Tribunal
Regional Federal da 2ª Região e o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul vêm
admitindo a união homoafetiva (fls. 191/209).
Apresentaram recurso extraordinário, ao fundamento de que o acórdão
recorrido violou os artigos 3º, incisos I e IV e 5º, incisos I, II e XV da CRFB/1988 (fls. 237/254).
Em decisão de fls. 286/289, o recurso especial ultrapassou o juízo prévio de
admissibilidade. Por sua vez, o recurso extraordinário foi inadmitido.
O douto SubProcurador Geral da República opinou pelo provimento do recurso
(fls. 294/310).
O Relator, Exmo. Sr. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, conheceu do
recurso e deu-lhe provimento. O eminente Ministro afastou a alegação de violação ao
princípio da identidade física do juiz, porém não vislumbrou vedação legal ao reconhecimento
da união estável entre dois homens. Assentou que restaram violados os artigos 4º e 5º da
LICC e 126 do Código de Processo Civil.
O Exmo. Sr. Ministro Fernando Gonçalves, em voto-vista divergente, não
conheceu do recurso, por entender que há expressa vedação constitucional e legal,
carecendo o pleito de possibilidade jurídica.
O Exmo. Sr. Ministro Aldir Passarinho acompanhou o voto divergente, também
não conhecendo do recurso, por entender que a dualidade de sexos é exigência legal para
configuração de união estável.
O Exmo. Sr. Ministro Massami Uyeda acompanhou o relator, conhecendo do
recurso e dando-lhe provimento.
É o sucinto relatório.
2. Inicialmente, acompanho o eminente Ministro Relator no tocante a
inexistência de violação ao artigo 132, do Código de Processo Civil. A alegada identidade
física do juiz não prevalece diante do período de férias da magistrada titular, além do que a
colheita de depoimentos foi realizada em outro feito, qual seja, medida cautelar preparatória.
3. A questão posta nos autos é delicada, merecendo análise aprofundada de
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todos os institutos jurídicos tratados, respeitando-se os princípios norteadores do “Estado
Democrático de Direito”.
Visando a solução da controvérsia, no estágio inicial em que se encontra,
impõe-se o exame detido sobre as condições da ação, especialmente quanto a possibilidade
jurídica do pedido e o alcance dos dispositivos legais que regulam a interpretação do
conteúdo das normas jurídicas, quais sejam, os artigos 4º e 5º, do LICC.
Destaque-se, para logo, a discussão doutrinária acerca da conceituação da
possibilidade jurídica como condição para o regular exercício da ação.
Há doutrinadores que limitam a possibilidade jurídica ao seu aspecto
processual, ao argumento de que, analisá-la sob o enfoque da adequação do pedido autoral
ao direito material, enseja, em verdade, antecipação do exame do mérito da demanda.
Leciona Humberto Theodoro Junior:
“Predomina na doutrina o exame da possibilidade jurídica sob o ângulo de
adequação do pedido ao direito material a que eventualmente
correspondente a pretensão do autor. Juridicamente impossível seria,
assim, o pedido que não encontrasse amparo no direito material positivo.
Allorio, no entanto, demonstrou o equívoco desse posicionamento, pois o
cotejo do pedido com direito material só pode levar a uma solução de
mérito, ou seja, à sua improcedência, caso conflite com o ordenamento
jurídico, ainda que a pretensão, prima facie, se revele temerária ou
absurda.
Diante dessa aguda objeção, impõe-se restringir a possibilidade jurídica do
pedido no aspecto processual, pois só assim estaremos diante de uma
verdadeira condição da ação como requisito prévio da admissibilidade do
exame da questão de mérito.
Com efeito, o pedido que o autor formula ao propor a ação é dúplice: 1º, o
pedido imediato, contra o Estado, que se refere à tutela jurisdicional; e 2ª, o
pedido mediato, contra o réu, que se refere aa providência de direito
material.
A possibilidade jurídica, então, deve ser localizada no pedido imediato, isto
é, na permissão, ou não, do direito positivo a que se instaure a relação
processual em torno da pretensão do autor.” (Curso de Direito Processual
Civil, vol.I, 47ª edição, 2007, p.64/65).
Nelson Nery Junior também assevera que:
“O pedido é juridicamente possível quando o ordenamento não o proíbe
expressamente. Deve entender-se o termo “pedido” não em seu sentido
estrito de mérito, pretensão, mas conjugado com a causa de pedir. Assim,
embora o pedido de cobrança, estritamente considerado, seja admissível
pela lei brasileira, não o será se tiver como causa petendi dívida de jogo.”
(JUNIOR, Nelson Nery e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de
Processo Civil Comentado e legislação extravagante. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 10ª edição, 2007, p.504).
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Transcreve-se, ainda, a lição de José Roberto dos Santos Bedaque que, ao
tratar do resultado da análise da condição da ação, esclarece:
“Com relação a uma das condições da ação justifica-se plenamente a
controvérsia doutrinária quanto à natureza da sentença que a declara
ausente: trata-se da possibilidade jurídica do pedido.
Se o juiz, ao examinar a inicial, verificar existir vedação expressa no
ordenamento jurídico material ao pedido do autor, deve indeferi-la
liminarmente por impossibilidade jurídica do pedido, extinguindo o processo.
Esse resultado, todavia, implica solução definitiva da crise de direito
material. Embora tal conclusão seja possível mediante simples exame da
inicial, o julgamento põe fim ao litígio, pois o autor não tem o direito
afirmado.”(Efetividade do processo e técnica processual. São Paulo: Editora
Malheiros, 2006, p.264).
Candido Rangel Dinamarco defende que:
“A casuística da impossibilidade jurídica evidencia que a esta se chega por
exclusão e pelas situações negativas, sendo mais fácil falar dela que da
possibilidade. Isso tem um sólido fundamento sistemático, que é a garantia
do controle jurisdicional, portadora da regra de que em princípio todas
pretensões de tutela jurisdicional serão apreciadas pelo Estado-juiz (Const.,
art.5º, inc. XXXV), só não o sendo aquelas que encontrarem diante de si
alguma dessas barreiras intransponíveis.” (Instituições de direito processual
civil, volume II. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p.302).
Outros estudiosos, dentre os quais se inclui Enrico Tullio Liebman (Manual de
Direito Processual Civil, Rio de Janeiro, Forense, 1984, v.I, p.153/154), não mais vislumbram
a possibilidade jurídica do pedido como condição da ação, afirmando como requisitos de
existência tão-somente a legitimidade e o interesse de agir.
A despeito da linha de pensamento adotada, o fato é que, para a hipótese em
apreço, não existe vedação legal para o prosseguimento da demanda, como a seguir será
exposto.
Nesse passo, a Corte já se pronunciou quanto ao correto sentido da
possibilidade jurídica como requisito para ajuizamento da ação:
“PROCESSUAL CIVIL. CONDIÇÕES DA AÇÃO. POSSIBILIDADE JURÍDICA
DO PEDIDO. CONTRATO VERBAL FIRMADO COM A ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA. INFRINGÊNCIA AO ART. 267, VI, DO CPC, REPELIDA. MATÉRIA
DE MÉRITO. 1. Há de ser mantido acórdão que firmou-se na linha de que
ocorre a impossibilidade jurídica do pedido quando há vedação expressa no
ordenamento legal ao seu deferimento, ou, ainda, quando não haja
previsão de um tipo de providência como a que se pede através da
presente ação. Não é o presente caso, portanto, onde se almeja a cobrança
de entes públicos (Município e Autarquia Municipal) de valores devidos a
título de contrato administrativo verbal, já que não há qualquer
incompatibilidade entre o pedido formulado e o ordenamento processual
pátrio.
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2. "Quando se diz 'ser possível' não se diz que 'é': o juiz, na espécie do art.
267, VI, tem de ver se há ou se não há possibilidade jurídica, e não se o
autor tem ou não razão. O que se apura é se, conforme o pedido, há regra
jurídica, mesmo não escrita, que poderia acatá-lo" (Pontes de Miranda,
'Comentários ao Código de Processo Civil', Forense, RJ, 4ª ed., 1997, p.
487/488).
3. A admissão ou não de celebração de contratos administrativos verbais diz
respeito ao mérito da causa, e não a uma de suas condições. Violação ao
teor do art. 267, VI, do CPC, que se afasta.
4. Recursos especiais improvidos.” (Resp. 451125/RS, Relator Ministro José
Delgado, Primeira Turma, julgado em 17/12/2002).
Quanto à matéria submetida a julgamento, transcreve-se, por oportuno, o teor
dos dispositivos questionados.
O artigo 1º da lei 9.278/96 assim dispõe:
"Art. 1º É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura,
pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo
de constituição de família."
Os artigos 1.723 e 1.724 do Código Civil estabelecem:
“Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o
homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e
duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
§ 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do
art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa
casada se achar separada de fato ou judicialmente.
§ 2o As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da
união estável.
Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos
deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e
educação dos filhos.”
Como se percebe, não existe proibição para o reconhecimento de outros tipos
de união, desde que preenchidos os demais requisitos legais.
Os dispositivos mencionados limitam-se a estabelecer a possibilidade de união
estável entre homem e mulher que preencham as condições impostas pela lei, quais sejam,
convivência pública, duradoura e contínua, sem restringir eventual união entre dois homens
ou duas mulheres.
O objetivo da lei é conferir aos companheiros os direitos e deveres trazidos pelo
artigo 2º (lei 9.278/96), não existindo qualquer vedação expressa para que esses efeitos
alcancem uniões entre pessoas do mesmo sexo.
Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar expressão restritiva, de modo a
impedir que a união entre pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da
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abrangência legal. Contudo, assim não procedeu.
É possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda existir lacuna
legislativa.
A matéria, conquanto derive de situação fática conhecida de todos, ainda não
foi expressamente regulada.
Nesse particular, leciona Vicente Rao:
“As lacunas do direito normativo, segundo Enneccerus, nos quatro casos
seguintes se verificam:
(...)
2º. quando a norma é totalmente omissa: a) intencionalmente, porque o
problema, ao sobrevir a lei, não se achava suficientemente amadurecido
para a solução; b) ou, apenas, porque a solução não foi prevista; c) ou,
ainda, porque a questão não chegou a ser praticamente suscitada até a
superveniência da norma;” (O Direito e a vida dos direitos, volume I. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, p.456/458).
Como é de curial sabença, a lacuna existe na lei e não no ordenamento jurídico.
Admite-se a integração mediante o uso da analogia, a fim de alcançar casos
não expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com outros tratados pelo
legislador.
Nas palavras de Caio Mário da Silva Pereira:
“A analogia consiste no processo lógico pelo qual o aplicador do direito
estende o preceito legal aos casos não diretamente compreendidos em seu
dispositivo. Pesquisa a vontade da lei, para leva-lá às hipóteses que a
literalidade de seu texto não havia mencionado.” (Instituições de Direito Civil,
volume 1. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004, p.72).
Por outro lado, ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o
argumento de ausência de previsão legal.
Maria Berenice Dias, Desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul, que anos atrás em seus estudos jurídicos cunhou a expressão relação
homoafetiva, adverte:
“A falta de previsão específica nos regramentos legislativos não pode servir
de justificativa para negar prestação jurisdicional ou ser invocada como
motivo para deixar de reconhecer a existência de direito merecedor de
tutela.” (Homoafetividade: o que diz a Justiça, Editora: Livraria do Advogado,
p.11/12).
Ana Carla Harmatiuk Matos, professora adjunta de Direito Civil da UFPR, em
estudo intitulado “Ação declaratória de união estável homossexual: possibilidade jurídica da
pretensão”, pondera:
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“Inexistindo proibição legal e levando-se ao Judiciário fato carente de norma
expressa, incumbe ao julgador atribuir sentido ao caso concreto. Para tanto,
há de levar em consideração a evolução social e a realidade que o cerca,
cuja percepção lhe proporcionaria dar sentido a fatos ainda não legislados.
Em casos como esse, não se está, verdadeiramente, diante de uma
impossibilidade jurídica.”
Registre-se que o Superior Tribunal de Justiça, a despeito de não haver
reconhecido expressamente a união estável homoafetiva, considerou-a análoga à união entre
pessoas de sexos diferentes, fazendo incidir a norma inserta no artigo 4º da LICC, a fim de
dispensar tratamento igualitário, em termos patrimoniais, às relações heterossexuais e
homossexuais (Resp. 238.715/RS).
Nesse passo, não se ressente de incompatibilidade com os julgados
previamente proferidos por esse Tribunal Superior, o entendimento adotado pelo eminente
Relator, Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, no sentido de reconhecer a possibilidade jurídica
do pleito formulado pelos recorrentes.
Por derradeiro e para reforçar os argumentos expendidos, transcrevo trecho da
decisão proferida pelo Ministro Celso Mello, quando analisou o pleito formulado na ADIN
3.300/MC/DF (DJ 09/02/2006, p.06):
“EMENTA: UNIÃO ESTÁVEL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO. ALTA
RELEVÂNCIA SOCIAL E JURIDICO-CONSTITUCIONAL DA QUESTÃO
PERTINENTE ÀS UNIÕES HOMOAFETIVAS. PRETENDIDA QUALIFICAÇÃO
DE TAIS UNIÕES COMO ENTIDADES FAMILIARES. DOUTRINA. ALEGADA
INCONSTITUCIONALIDADE DOA RT. 1º DA LEI 9.278/96. NORMA LEGAL
DERROGADA PELA SUPERVENIÊNCIA DO ART. 1723 DO NOVO CÓDIGO
CIVIL (2002), QUE NÃO FOI OBJETO DE IMPUGNAÇÃO NESTA SEDE DE
CONTROLE ABSTRATO. INVIABILIDADE, POR TAL RAZÃO, DA AÇÃO
DIRETA. IMPOSSIBILIDADE JURIDICA, DE OUTRO LADO, DE SE
PROCEDER À FISCALIZAÇÃO NORMATIVA ABSTRATA DE NORMAS
CONSTITUCIONAIS ORIGINÁRIAS (ART.226,PARAGRAFO 3º, NO CASO).
DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA (STF). NECESSIDADE, CONTUDO, DE SE
DISCUTIR O TEMA DAS UNIÕES ESTÁVEIS HOMOAFETIVAS, INCLUSIVE
PARA EFEITO DE SUA SUBSUNÇÃO AO CONCEITO DE ENTIDADE
FAMILIAR: MATÉRIA A SER VEICULADA EM SEDE DE ADPF.
(...)Não obstante as razões de ordem estritamente formal, que tornam
insuscetível de conhecimento a presente ação direta, mas considerando a
extrema importância jurídico-social da matéria - cuja apreciação talvez
pudesse viabilizar-se em sede de argüição de descumprimento de preceito
fundamental -, cumpre registrar, quanto à tese sustentada pelas entidades
autoras, que o magistério da doutrina, apoiando-se em valiosa
hermenêutica construtiva, utilizando-se da analogia e invocando princípios
fundamentais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da
autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da
não-discriminação e da busca da felicidade), tem revelado admirável
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percepção do alto significado de que se revestem tanto o reconhecimento
do direito personalíssimo à orientação sexual, de um lado, quanto a
proclamação da legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como
entidade familiar, de outro, em ordem a permitir que se extraiam, em favor
de parceiros homossexuais, relevantes conseqüências no plano do Direito e
na esfera das relações sociais. Essa visão do tema, que tem a virtude de
superar, neste início de terceiro milênio, incompreensíveis resistências
sociais e institucionais fundadas em fórmulas preconceituosas
inadmissíveis, vem sendo externada, como anteriormente enfatizado, por
eminentes autores, cuja análise de tão significativas questões tem colocado
em evidência, com absoluta correção, a necessidade de se atribuir
verdadeiro estatuto de cidadania às uniões estáveis homoafetivas (LUIZ
EDSON FACHIN, "Direito de Família - Elementos críticos à luz do novo
Código Civil brasileiro", p. 119/127, item n. 4, 2003, Renovar; LUIZ SALEM
VARELLA/IRENE INNWINKL SALEM VARELLA, "Homoerotismo no Direito
Brasileiro e Universal - Parceria Civil entre Pessoas do mesmo Sexo", 2000,
Agá Juris Editora, ROGER RAUPP RIOS, "A Homossexualidade no Direito",
p. 97/128, item n. 4, 2001, Livraria do Advogado Editora - ESMAFE/RS; ANA
CARLA HARMATIUK MATOS, "União entre Pessoas do mesmo Sexo:
aspectos jurídicos e sociais", p. 161/162, Del Rey, 2004; VIVIANE GIRARDI,
"Famílias Contemporâneas, Filiação e Afeto: a possibilidade jurídica da
Adoção por Homossexuais", Livraria do Advogado Editora, 2005; TAÍSA
RIBEIRO FERNANDES, "Uniões Homossexuais: efeitos jurídicos", Editora
Método, São Paulo; JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS, "A Natureza
Jurídica da Relação Homoerótica", "in "Revista da AJURIS" nº 88, tomo I, p.
224/252, dez/2002, v.g.).
Ante o exposto, acompanho o Relator para conhecer do recurso e dar-lhe
provimento, especialmente no tocante ao reconhecimento, no caso, da possibilidade jurídica
do pedido, devendo o feito retornar à primeira instância para o seu regular trâmite.
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ERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA
Número Registro: 2006/0034525-4 REsp 820475 / RJ
Números Origem: 20040040422509 200500118636
PAUTA: 02/09/2008 JULGADO: 02/09/2008
SEGREDO DE JUSTIÇA
Relator
Exmo. Sr. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO
Relator para Acórdão
Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro FERNANDO GONÇALVES
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. FERNANDO HENRIQUE OLIVEIRA DE MACEDO
Secretária
Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : A C S E OUTRO
ADVOGADO : EDUARDO COLUCCINI CORDEIRO
ASSUNTO: Civil - Família - União Estável
SUSTENTAÇÃO ORAL
Dr(a). EDUARDO COLUCCINI CORDEIRO, pela parte RECORRENTE: A C S
Dr. FERNANDO HENRIQUE OLIVEIRA DE MACEDO, pelo MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
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Renovando-se o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Luís Felipe Salomão,
acompanhando o voto do Sr. Ministro Relator, a Turma, por maioria, conheceu do recurso
especial e deu-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, vencidos os Srs.
Ministros Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Junior. Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Luís
Felipe Salomão. Não participaram do julgamento os Srs. Ministros João Otávio de Noronha e
Carlos Mathias (art. 162, §2º do RISTJ).
Brasília, 02 de setembro de 2008
TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI
Secretária

STJ mantém indenização de homem que difamou ex-namorada por e-mail

STJ mantém indenização de homem que difamou ex-namorada por e-mail


Um homem que divulgou mensagens eletrônicas difamando uma ex-namorada, referindo-se a ela como “garota de programa”, não terá o recurso especial julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Com isso, fica mantido o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que o condenou a pagar uma indenização por danos morais no valor R$ 30 mil, mais juros. A decisão é do juiz convocado Carlos Fernando Mathias.

A mulher alegou que recebeu diversas ligações telefônicas com o objetivo de contratá-la para a prática de programas sexuais. Ela declarou que o fato ocorreu em virtude da publicação de e-mails divulgando seu nome, profissão, telefone e faculdade, junto com a fotografia de uma mulher em posições eróticas. Diante da situação, passou a ser incomodada pelos telefonemas e boatos que a taxavam de “garota de programa”. Ela, inclusive, teve de se retirar do clube ao qual era associada.

Em uma ação cautelar de exibição de documentos movida contra o provedor da mensagem, a mulher obteve a informação de que o correio eletrônico pelo qual foram enviados os e-mails pertencia ao ex-namorado dela e que a assinatura do provimento da internet pertencia ao irmão deste. A partir daí, requereu a condenação de ambos ao pagamento de indenização pelos danos morais sofridos.

Em primeira instância, a sentença condenou os irmãos ao pagamento de indenização no valor de R$ 17 mil. Na apelação proposta perante o TJRS, a ação referente ao ex-cunhado foi extinta por ilegitimidade passiva, sob o entendimento de que ele foi apenas o contratante do serviço utilizado e não o remetente. E manteve o julgamento com relação ao autor do e-mail e elevou o valor dos danos morais para R$ 30 mil. A defesa pretendia levar a discussão ao STJ por meio de um recurso especial, pretensão indeferida pelo tribunal gaúcho.

Mas o agravo de instrumento foi rejeitado pelo relator, juiz convocado Carlos Mathias. Para ele, não foram atendidas exigências processuais para este fim. Além disso, para apreciar a questão seria necessário analisar o conjunto de provas e fatos, o que é proibido ao STJ fazer em razão da sua Súmula 7.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Direito



Escultura A Justiça, de Alfredo Ceschiatti, em Brasília, Brasil, segue a tradição de representá-la com os olhos vendados, para demonstrar a sua imparcialidade, e a espada, símbolo da força de que dispõe para impor o direito. Algumas representações da Justiça possuem também uma balança, que representa a ponderação dos interesses das partes em litígio.


A palavra direito possui mais de um significado:

sistema de normas de conduta imposto por um conjunto de instituições para regular as relações sociais[1]: o que os juristas chamam de direito objetivo, a que os leigos se referem quando dizem "o direito proíbe a poligamia". Neste sentido, equivale ao conceito de "ordem jurídica". Este significado da palavra pode ter outras ramificações:
como o sistema ou conjunto de normas jurídicas de um determinado país ou jurisdição ("o direito português"); ou
como o conjunto de normas jurídicas de um determinado ramo do direito ("o direito penal", "o direito de família").
faculdade concedida a uma pessoa para mover a ordem jurídica a favor de seus interesses[2]: o que os juristas chamam de direitos subjetivos, a que os leigos se referem quando dizem "eu tenho o direito de falar o que eu quiser" ou "ele tinha direito àquelas terras".
ramo das ciências sociais que estuda o sistema de normas que regulam as relações sociais: o que os juristas chamam de ciência do direito, a que os leigos se referem quando dizem "eu preciso estudar direito comercial para conseguir um bom emprego".
Apesar da existência milenar do direito nas sociedades humanas e de sua estreita relação com a civilização[3] (costuma-se dizer que "onde está a sociedade, ali está o direito"), há um grande debate entre os filósofos do direito acerca do seu conceito e de sua natureza. Mas, qualquer que sejam estes últimos, o direito é essencial à vida em sociedade, ao definir direitos e obrigações entre as pessoas e ao resolver os conflitos de interesse. Seus efeitos sobre o cotidiano das pessoas vão desde uma simples corrida de táxi até a compra de um imóvel, desde uma eleição presidencial até a punição de um crime, dentre outros exemplos.

O direito é tradicionalmente dividido em ramos, como o direito civil, direito penal, direito comercial, direito constitucional, direito administrativo e outros, cada um destes responsável por regular as relações interpessoais nos diversos aspectos da vida em sociedade.

No mundo, cada Estado adota um direito próprio ao seu país, donde de fala em "direito brasileiro", direito português”, "direito chinês" e outros. Aqueles "direitos nacionais" costumam ser reunidos pelos juristas em grandes grupos: os principais são o grupo dos direitos de origem romano-germânica (com base no antigo direito romano; o direito português e o direito brasileiro fazem parte deste grupo) e o grupo dos direitos de origem anglo-saxã (Common Law, como o inglês e o estadunidense), embora também haja grupos de direitos com base religiosa, dentre outras (ver Direito comparado). Há também direitos supranacionais, como o direito da União Européia. Por sua vez, o direito internacional regula as relações entre Estados no plano internacional.

Etimologia

A palavra "direito" vem do latim directus, a, um, "que segue regras pré-determinadas ou um dado preceito", do particípio passado do verbo dirigere. O termo evoluiu em português da forma "directo" (1277) a "dereyto" (1292) até chegar à grafia atual (documentada no século XIII).[4].

Para outros autores[5], a palavra faz referência à deusa romana da justiça, Justitia, que segurava em suas mãos uma balança com fiel. Dizia-se que havia justiça quando o fiel estava absolutamente perpendicular em relação ao solo: de rectum.

As línguas românicas ocidentais compartilham a mesma origem para a palavra "direito": diritto, em italiano, derecho, em espanhol, droit, em francês, dret, em catalão, drech, em occitano. Os vocábulos right, em inglês, e Recht, em alemão, têm origem germânica (riht), do indo-europeu *reg-to- "movido em linha reta"[6]. O termo indo-europeu é a origem do latim rectus, a, um (ver acima) e do grego ὀρεκτός.

Em latim clássico, empregava-se o termo IVS (grafado também ius ou jus), que originalmente significava "fórmula religiosa"[7] e que por derivação de sentido veio a ser usado pelos antigos romanos na acepção equivalente aos modernos "direito objetivo" (ius est norma agendi) e "direito subjetivo" (ius est facultas agendi). Segundo alguns estudiosos, o termo ius relacionar-se-ia com iussum, particípio passado do verbo iubere[8], que quer dizer "mandar", "ordenar", da raiz sânscrita ju, "ligar". Mais tarde, ainda no período romano, o termo directum (ver acima) passou a ser mais empregado para referir o direito. Como já se viu, directum vem do verbo dirigere que, por sua vez, tem origem em regere, "reger", "governar", donde os termos latinos rex, regula e outros[9].

O latim clássico ius, por sua vez, gerou em português os termos "justo", "justiça", "jurídico", "juiz" e muitos outros

Natureza
Natureza da norma jurídica
A vida em sociedade e as conseqüentes interrelações pessoais exigem a formulação de regras de conduta que disciplinem a interação entre as pessoas[11], com o objetivo de alcançar o bem comum e a paz e a organização sociais. Tais regras, chamadas normas éticas ou de conduta, podem ser de natureza moral, religiosa e jurídica. A norma do direito, chamada "norma jurídica", difere das demais, porém, por dirigir-se à conduta externa do indivíduo, exigindo-lhe que faça ou deixe de fazer algo, objetivamente, e atribuindo responsabilidades, direitos e obrigações. Compare-se com as normas morais e religiosas, dirigidas precipuamente à intenção interna, ao processo psicológico.

Outra característica a distinguir a norma jurídica é a existência de uma sanção[12] obrigatória para o caso de seu descumprimento, imposta por uma autoridade constituída pela sociedade organizada, enquanto que a sanção aplicada pelo descumprimento da regra moral não é organizada, sendo, ao revés, difusa por toda a sociedade
Nem toda norma de conduta, portanto, é jurídica. A sociedade atribui a proteção máxima do direito a apenas alguns valores que ela julga essenciais e que os juristas chamam de "o mínimo ético".

O direito constitui, assim, um conjunto de normas de conduta estabelecidas para regular as relações sociais e garantidas pela intervenção do poder público (isto é, a sanção que a autoridade central - no mundo moderno, o Estado - impõe). É pois da natureza da norma de direito a existência de uma ameaça pelo seu não-cumprimento (sanção) e a sua imposição por uma autoridade pública (modernamente, o Estado) com o objetivo de atender ao interesse geral (o bem comum, a paz e a organização sociais). Alguns juristas, entretanto, discordam da ênfase conferida à sanção para explicar a natureza da norma jurídica.

As normas jurídicas têm por objetivo criar direitos e obrigações para pessoas, quer sejam pessoas naturais, quer pessoas jurídicas[14]. Isto não significa que o direito não discipline as coisas e os animais, por exemplo, mas o faz com o propósito de proteger direitos ou gerar obrigações para pessoas, ainda que, modernamente, o interesse protegido possa ser o de toda uma coletividade ou, até mesmo, da humanidade abstratamente.

Direito positivo e direito natural

Dá-se o nome de "direito positivo" ao conjunto de normas em vigor ditadas e impostas por um Estado em dado território. É portanto um conceito muito próximo aos de ordem jurídica e de direito objetivo. O direito positivo, gerado por um determinado Estado, é necessariamente peculiar àquele Estado e varia segundo as condições sociais de uma determinada época.

Os filósofos gregos foram os primeiros a postular uma distinção entre o direito positivo, fundado na lei posta pelos homens, e o direito natural, que teria em toda parte a mesma eficácia e não dependeria da opinião dos homens para ser efetivo[16]. O direito romano também acolheu a distinção, contrapondo o ius civile (posto pelos cidadãos de um lugar e apenas a estes aplicável) ao ius gentium, definido como o direito posto pela razão natural, observado entre todos os povos e de conteúdo imutável, o que corresponde à definição de direito natural[17]. Na Idade Média, os juristas identificavam a natureza ou Deus como fundamento do direito natural, e São Tomás de Aquino, dentre outros, afirmava que as normas de direito positivo derivariam do direito natural.

Embora o conceito de direito natural surja na Grécia antiga e seja tratado pelos juristas romanos, sua importância para o direito contemporâneo advém do movimento racionalista jurídico do século XVIII, que concebia a razão como base do direito[19] e propugnava a existência de um direito natural (por exemplo, os direitos fundamentais do homem) acima do direito positivo. Este direito natural seria válido e obrigatório por si mesmo[20]. Defendido pelos iluministas, o direito natural representou, historicamente, uma forma de libertação em relação à ordem jurídica imposta pelas autoridades das monarquias absolutistas. Com as Revoluções Liberais, capitaneadas pela Revolução Francesa (1789), iniciou-se um processo de codificação orientado pela razão, apontada, naquela altura, como base do direito natural.

A codificação de normas tidas como imutáveis e eternas - cerne da teoria do direito natural - foi parcialmente responsável pelo surgimento de uma nova teoria e prática do direito que dava primazia ao direito positivo e procurava conferir independência à ciência do direito, em meio às demais ciências sociais. Surge assim o juspositivismo.

Os que defendem a existência do direito natural e o estudam denominam-se "jusnaturalistas". Contrapõem-se a estes os "juspositivistas", que só reconhecem a existência do direito positivo. Rejeitam, portanto, a tese da existência de um direito eterno, imutável e geral para todos os povos, afirmando que direito é apenas o que é imposto pela autoridade.

No século XX, surgiram correntes do pensamento jurídico que procuram conciliar ou sintetizar os pontos de vista jusnaturalista e juspositivista. De qualquer forma, a distinção em pauta perdeu parte de sua força após a incorporação dos direitos e liberdades fundamentais ao direito positivo (em geral, nas constituições modernas) e com a consolidação do Estado moderno e o seu monopólio sobre a produção jurídica.

Fontes

As normas do direito são criadas, modificadas e extintas por meio de certos tipos de atos, chamados pelos juristas de fontes do direito.

Historicamente, a primeira manifestação do direito é encontrada no costume, consubstanciado no hábito de os indivíduos se submeterem à observância reiterada de certos usos, convertidos em regras de conduta. Com o tempo, os grupos sociais passaram a incumbir um chefe ou órgão coletivo de ditar e impor as regras de conduta, o que fez com que o direito passasse a ser um comando, uma lei imposta coativamente e, a partir de certo momento, fixada por escrito[23]. Em maior ou menor grau, ambas as fontes - o costume e a lei - convivem no direito moderno, juntamente com outras importantes formas de produção das normas jurídicas, como a jurisprudência.

Tradicionalmente, consideram-se fontes do direito as seguintes:

a lei: entendida como o conjunto de textos editados pela autoridade superior (em geral, o poder Legislativo ou a Administração pública), formulados por escrito e segundo procedimentos específicos. Costuma-se incluir aqui os regulamentos administrativos.
o costume: regra não escrita que se forma pela repetição reiterada de um comportamento e pela convicção geral de que tal comportamento é obrigatório (isto é, constitui uma norma do direito) e necessário.
a jurisprudência: conjunto de interpretações das normas do direito proferidas pelo poder Judiciário.
os princípios gerais de direito: são os princípios mais gerais de ética social, direito natural ou axiologia jurídica, deduzidos pela razão humana, baseados na natureza racional e livre do homem e que constituem o fundamento de todo o sistema jurídico.
a doutrina: a opinião dos juristas sobre uma matéria concreta do direito.
Outra escola enxerga na vontade (individual, de um grupo ou da coletividade como um todo) o elemento essencial da teoria das fontes do direito. Este critério reconhece, a par das fontes tradicionais, todos os outros atos jurídicos lato sensu como fontes do direito: um negócio jurídico, uma sentença e a vontade unilateral, por exemplo[24]. Outros estudiosos, porém, consideram-nos uma simples decorrência das fontes tradicionais.

Cada direito nacional atribui importância maior ou menor a cada uma das fontes. Como regra geral, os países de tradição romano-germânica consideram a lei como principal fonte do direito, deixando às demais o papel de fontes secundárias, na ausência de norma decorrente da lei. Já os países que adotam o sistema da Common Law atribuem maior importância à jurisprudência.

Classificação

Direito público e direito privado

A tradicional dicotomia do direito em direito público e direito privado remonta aos antigos romanos[26], com base na distinção entre os interesses da esfera particular, entre duas ou mais pessoas, e os interesses públicos, que são relativos ao Estado e à sociedade e que merecem ter posição privilegiada[27]. Trata-se de distinção que perdura até hoje, por vezes nebulosa, em especial na zona limítrofe entre os dois grupos.

Há diversos critérios para diferenciar regras de direito público e de direito privado. Os três mais difundidos são:

critério do interesse: predominância do interesse público ou do interesse privado;
critério da qualidade dos sujeitos: intervenção do Estado ou de outros entes públicos na relação jurídica; e
critério da posição dos sujeitos: se o Estado age como ente soberano, com ius imperii, ou se age de igual para igual com os demais os sujeitos da relação jurídica.
Como regra geral, entendem-se como pertencentes ao direito público as normas que regulam as relações em que o Estado exerce a soberania, imperium, em que o indivíduo é um súdito. Por outro lado, quando o Estado age de igual para igual com o indivíduo (por exemplo, no caso de empresas estatais), a matéria poderá ser da alçada do direito privado. Pertencem ao direito público ramos como o direito constitucional, o direito administrativo, o direito penal e o direito processual.

Já o direito privado não cuida apenas dos interesses individuais mas inclui também a proteção de valores caros à sociedade e de interesse coletivo, como a família. Pertencem ao direito privado ramos como o direito civil e o direito comercial.

O direito privado baseia-se no princípio da autonomia da vontade, isto é, as pessoas gozam da faculdade de estabelecer entre si as normas que desejarem. Já o direito público segue princípio diverso, o da legalidade estrita, pelo qual o Estado somente pode fazer o que é previsto em lei. A autonomia da vontade também está sujeita ao princípio da legalidade, mas em menor grau - em direito privado, tudo que não é proibido é permitido.

Alguns ramos do direito são considerados mistos, por ali coincidirem interesses públicos e privados, como o direito do trabalho.

Ramos do direito

O direito divide-se em ramos de grande diversidade. A relação a seguir não é exaustiva:

Direito Administrativo
Direito Aeronáutico
Direito Ambiental
Direito de Águas
Direito Bancário
Direito Canônico
Direito Civil
Direito de Família
Direito das Obrigações
Direito das Sucessões
Direito das Coisas
Direito Imobiliário
Direito do Consumidor
Direito da Criança e do Adolescente
Direito Constitucional
Direito do Estado
Direito Desportivo
Direito Econômico
Direito Eleitoral
Direito Empresarial ou Comercial
Direito Societário
Direito Marítimo
Direito Financeiro
Direito Fiscal
Direito Tributário
Direitos Humanos
Direito Indígena
Direito da Informática
Direito Internacional
Direito comunitário
Direito da União Europeia
Direito do Mercosul
Direito Internacional Penal
Direito Internacional Privado
Direito Judiciário
Direito de Execução Penal
Direito de Execução Civil
Direito de Execução Fiscal
Direito Militar
Direito Penal
Direito Processual
Teoria Geral do Processo
Direito Processual Civil
Direito Processual Penal
Direito Processual do Trabalho
Direito da Propriedade Intelectual
Direito Autoral
Direito Registral e Notarial
Direito Sanitário
Direito dos Seguros
Direito Previdenciário
Direito da Segurança Social
Direito do Trabalho
Direito Individual do Trabalho
Direito Coletivo do Trabalho
Direito Sindical
Direito Urbanístico
Direito dos Valores Mobiliários

História

A história do direito está ligada ao desenvolvimento das civilizações. O direito do antigo Egito, que data de pelo menos 3000 a.C., incluía uma compilação de leis civis que, provavelmente dividida em doze livros, baseava-se no conceito de Ma'at e caracterizava-se pela tradição, pela retórica, pela igualdade social e pela imparcialidade. Em cerca de 1760 a.C., o rei Hamurábi determinou que o direito babilônio fosse codificado e inscrito em pedra para que o povo pudesse vê-lo no mercado: o chamado Código de Hamurábi. Neste caso, tal como o direito egípcio, poucas fontes sobreviveram e muito se perdeu com o tempo. A influência destes exemplos jurídicos antigos nas civilizações posteriores foi, portanto, pequena. O mais antigo conjunto de leis ainda relevante para os modernos sistemas do direito é provavelmente a Torá do Velho Testamento. Na forma de imperativos morais, como os Dez Mandamentos, contém recomendações para uma boa sociedade. A antiga cidade-Estado grega de Atenas foi a primeira sociedade baseada na ampla inclusão dos seus cidadãos, com exceção das mulheres e dos escravos. Embora Atenas não tenha desenvolvido uma ciência jurídica nem tivesse uma palavra para o conceito abstrato de "direito", o antigo direito grego continha grandes inovações constitucionais no desenvolvimento da democracia.

O direito romano, fortemente influenciado pelos ensinamentos gregos, constitui a ponte entre as antigas experiências do direito e o mundo jurídico moderno. O direito romano foi codificado por ordem do Imperador Justiniano I, o que resultou no Corpus Iuris Civilis. O conhecimento do direito romano perdeu-se na Europa Ocidental durante a Idade Média, mas a disciplina foi redescoberta a partir do século XI, quando juristas medievais, posteriormente conhecidos como "glosadores", começaram a pesquisar os textos jurídicos romanos e a usar os seus conceitos. Na Inglaterra medieval, os juízes reais começaram a desenvolver um conjunto de precedentes que viria a tornar-se a Common Law. Também se formou na Europa a Lex Mercatoria, que permitia aos mercadores comerciar com base em práticas padronizadas. A Lex Mercatoria, precursora do direito comercial moderno, enfatizava a liberdade de contratar e a alienabilidade da propriedade. Quando o nacionalismo recrudesceu nos séculos XVIII e XIX, a Lex Mercatoria foi incorporada ao direito interno dos diversos países do continente em seus respectivos códigos civis. O Código Napoleônico e o Código Civil Alemão tornaram-se as leis civis mais conhecidas e influentes.

A Índia e a China antigas possuíam tradições distintas em matéria de direito, com escolas jurídicas historicamente independentes. O Arthashastra, datado de cerca de 400 a.C., e o Manusmriti, de 100, constituíam tratados influentes na Índia e que eram consultados em questões jurídicas. A filosofia central de Manu, tolerância e pluralismo, espalhou-se pelo sudeste da Ásia. Esta tradição hinduísta, juntamente com o direito muçulmano, foi suplantada pelo Common Law quando a Índia se tornou parte do Império Britânico. A Malásia, Brunei, Cingapura e Hong Kong também o adotaram. A tradição jurídica do leste da Ásia reflete uma mistura singular entre o religioso e o secular. O Japão foi o primeiro país da área a modernizar o seu sistema jurídico conforme o exemplo ocidental, ao importar partes dos códigos civis francês e alemão. Do mesmo modo, o direito chinês tradicional foi modernizado segundo o padrão ocidental nos anos finais da dinastia Qing, na forma de seis códigos de direito privado baseados no modelo japonês do direito alemão. O direito da República Popular da China sofreu forte influência do direito socialista soviético, que basicamente hipertrofia o direito administrativo às expensas do direito privado. Hoje, entretanto, a China tem promovido reformas na sua ordem jurídica, ao menos no que se refere aos direitos econômicos, como no caso do novo código de contratos de 1999.

O papel do Estado

A sociedade medieval constituía-se de uma diversidade de agrupamentos sociais, cada um com uma ordem jurídica própria, local. Na alta Idade Média, o direito era um fenômeno produzido não pelo Estado (que ainda não existia em sua acepção moderna), mas pela sociedade civil, por meio do costume jurídico, que vem a ser um tipo de consenso manifestado pelo povo quanto a uma certa conduta social, ou até mesmo com o recurso à eqüidade. Com a formação do Estado moderno, este concentrou todos os poderes da sociedade, como o de criar o direito com exclusividade (quer diretamente, por meio da lei, quer pelo reconhecimento e controle das demais fontes do direito). Bobbio chama este processo de monopolização da produção jurídica por parte do Estado[28].

A partir da Idade Moderna, portanto, os conceitos de direito e de Estado se confundem, pois se este último é estabelecido e regulado pelo direito (como pessoa jurídica de direito público), o primeiro passa a ser ditado e imposto pelo Estado. À consolidação do Estado moderno corresponde o paulatino fortalecimento do direito positivo (posto pelo Estado), em detrimento do chamado direito natural.

Teoria do direito

Escolas

Escola de Viena: diz que o Estado é a personificação da Ordem Jurídica.
Escola Alemã: supremacia do Estado sobre o Direito.
Escola do Direito Natural: surgiu entre os séculos XVII e XVIII, e diz que o Direito é natural do ser humano, algo inato e universal.
Escola Histórica de Savigny: apresenta uma visão histórica do Direito.
Teoria do Direito Divino: segundo a qual, as leis humanas são de inspiração divina, inefáveis.

Famílias do direito

Há que diferenciar dois tipos básicos de sistemas jurídicos, duas "famílias de direitos": o direito anglo-saxónico ou "common-law" — isto é, os sistemas jurídicos próprios de Inglaterra, dos Estados Unidos e das restantes ex-colónias inglesas — e o direito continental ou romano-germânico, o "civil law", próprio dos países europeus continentais e das suas ex-colónias. Todos os sistemas jurídicos de países de língua oficial portuguesa pertencem à família romano-germânica.

No "common-law", o juiz julga sobretudo com base em decisões anteriores dos próprios tribunais, os chamados precedentes, que são vinculativos. A legislação é esparsa. Nos sistemas continentais, a principal fonte do direito é a lei, a legislação emitida pelos parlamentos e governos. As decisões dos tribunais superiores não vinculam para casos futuros. Há contudo excepções a esta não-vinculatividade: as "súmulas vinculantes" brasileiras e os "assentos" portugueses são disso exemplo.